
O Brasil tem uma Lei excelente, só no papel, lamenta a vereadora e ex-delegada que atua pelo enfrentamento da violência contra a mulher
Foi com muita tristeza que li no blog lugardemulher.com.br, o relato de uma mulher vítima de violência no atendimento despreparado, incompetente, ineficaz e até desumano dentro de uma Delegacia que foi criada para amparar, acolher, proteger as mulheres. Pesaroso perceber que o sentimento que ficou é de que todos ali exercem seu trabalho com a finalidade de convencer a vítima de desistir do registro do Boletim de Ocorrência. Mais difícil foi saber que o atendimento realizado por profissionais do sexo feminino foi pior que o realizado por um policial do sexo masculino.
Ler a história dessa moça e saber que muitos outros relatos estão por vir me deixa pensando: onde foi que esse trem descarrilou? Em que ponto da estrada desviou? Que vontade de chorar, porque depois de 22 anos de trabalho na Polícia Civil do Estado de São Paulo, tendo 90% desse tempo atuando em Delegacias de Defesa da Mulher, sempre prezei pelo acolhimento, pelo amparo, por ouvir com paciência histórias de vidas inteiras de maus tratos e sofrimentos. Muitas vezes questionei os motivos pelos quais as vítimas não desejavam prosseguir com a ação penal contra seus agressores ou mesmo os motivos de não fugirem das agressões, com divórcios, por exemplo.
Foi preciso muito estudo, participação em inúmeros cursos, simpósios, conferências, buscando aperfeiçoamento e compreensão. Foram necessárias conversas intermináveis com terapeutas, psicólogos e estudiosos da mente humana para compreender que a violência de gênero é multifacetária e seus protagonistas também têm razões muito particulares para agredir ou para deixar-se agredir. Atitudes que são transmitidas de gerações a gerações, distúrbios psicológicos, cultura machista, dependência química, questões religiosas, sociais e familiares. Enfim, cada caso é único e deve ser tratado como tal.
No período de 9 a 20 de março último, tivemos a Conferência denominada Beijing + 20 em Nova Iorque, local em que se reuniram mulheres e estudiosos do mundo todo nas questões de gênero, com a finalidade de avaliar as duas décadas após a Conferência na China. Um dos tópicos abordados foi a falta de investimentos governamentais para combater as desigualdades de gênero (que também geram violência).
O Brasil tem uma Lei excelente – só no papel.
Desde 2006, ou seja, há 9 anos, a Lei determina:
- a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
- a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes sobre a violência;
- o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar;
- a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral;
- a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais que trabalham com a questão;
- a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia…
Entre tantas outras determinações, cadê? Será que a culpa desse atendimento desastroso é só dos profissionais que atuam nas Delegacias da Mulher? É uma pena ver o que está ocorrendo nessas delegacias especializadas, centenas de boletins de ocorrências para serem atendidos por pouquíssimas funcionárias, delegadas, escrivãs, investigadoras, agentes, que não recebem capacitações constantes; que sabem inexistir as integrações entre os diversos órgãos acima citados para qualquer projeto que seja institucionalizado, há um ou outro, dependendo das pessoas que atuam na área. Vêem as vítimas andando de um lado para outro buscando soluções difíceis, pois são casos que envolvem sentimentos, filhos, pais, comunidades religiosas e sociais. Os órgãos policiais precisam contar com equipes multidisciplinares para auxiliá-los nos atendimento.
É desolador ler casos como esse, mas tenho convicção de que a situação pode mudar. É preciso investimento público, políticas públicas eficientes, todos juntos para erradicar a violência, atendimento digno e competente às vítimas, acompanhamento especializado aos agressores (art. 45 da Lei Maria da Penha).
*Telma Tulim é vereadora pelo PSDB SP em Tupã e delegada de Polícia Aposentada